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A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

31
Jan18

O meu filho é melhor que o teu

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E pronto, eis-me aqui hoje, de coração aberto, para falar daquela que não consegue deixar de ser uma das maiores parvoíces da maternidade. Falo, obviamente, da competição entre mães. É que ainda os putos estão amagadinhos no útero e já as mães andam a comparar percentis e número de pontapés. Com um bocadinho de sorte até o tamanho das barrigas é comparado. Já não há paciência. Enquanto psicólogos e pediatras perdem tempo a escrever que cada bebé se desenvolve ao seu ritmo e a mostrar as milhentas causas que podem explicar as diferenças, eu prefiro optar por uma versão mais sintética: as mães são parvas.

 

Não há nada que me faça mais comichão no nervo do que aquelas publicações do género "o meu menino está super desenvolvido e já sabe fazer imensas gracinhas, é mesmo espertalhão para a idade". Quero dizer, agora que penso nisso afinal até há. São aquelas respostas de merda a perguntas de mães preocupadas porque os filhos ainda não atingiram o marco de desenvolvimento X ou Y. Há sempre uma cabra qualquer, disfarçada, que responde "não se preocupe, é perfeitamente natural que o seu menino ainda não o faça mas, por acaso, o meu começou a fazer isso logo aos oito meses". Epá, as vezes que eu tenho que respirar fundo para não ir lá ofender aquele povo todo.

 

Não sei bem quando é que as crianças começaram a servir como compensação para as frustrações paternas. Não sei em que fase da evolução humana é que os pais começaram a acreditar que as crianças tinham que fazer tudo assim que abriam os olhos pela primeira vez. Mas sei que é este o ponto em que estamos. Às vezes, em público, a interacção entre pais e filhos adoece-me. Os putos têm que mostrar as gracinhas todas mesmo que estejam cansados, birrentos e sem vontade. Até dá vontade de lhes atirar uma moedinha no fim. Porra, metam-nos no circo. Pobres crianças.

 

Temos que meter a mão na consciência e decidir de uma vez por todas o que é prioritário: putos felizes ou putos pressionados para serem mais e melhor num claro atropelo aos seus ritmos e interesses? Salvo raras excepções, quase sempre justificadas por patologias graves, quantas crianças viram chegar ao pré-escolar sem andar, sem falar ou sem dentes? Bem me queria parecer... Andar aos dez meses, ter a dentição completa aos onze e recitar poesia em inglês com dois anos nunca foi uma garantia de sucesso no futuro. As crianças terão mais sucesso quanto mais amor, compreensão e respeito receberem na infância. O resto? O resto é treta. O resto são merdices de mães e pais mal-amados. Haja paciência.

 

 

30
Jan18

Os super pais

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Hoje o pai cá de casa deitou-se no sofá para ver um bocadinho de televisão e, passados dois minutos, dormia o sono dos justos. Anda cansado, estoirado, rebentado. E eu fico a pensar que, muitas vezes, também com os homens a sociedade (que é como quem diz "as mulheres") é um bocadinho injusta. Se é verdade que conquistámos o nosso papel ao longo dos séculos e, felizmente, já não ficamos a espanar o pó da gruta enquanto eles vão caçar mamutes, também é verdade que a pressão que exercemos sobre eles aumentou brutalmente. Não é que a gente queira o mamute mas, se formos honestas connosco próprias, ainda queremos o caçador.

 

Vá, não comecem a abanar a cabeça e a dizer que não. Mesmo que cada uma de nós acredite que não faz cá pressão nenhuma, a verdade é que os homens também sentem que é suposto terem um six pack definido e um rabo rijo. Sentem que é suposto darem conta do recado no que aos trabalhos de maior carga física diz respeito, sentem que precisam de um óptimo desempenho sexual e, se souberem cozinhar, o bónus é adicional. Duvido que haja algum homem que não se sinta pressionado para "meter dinheiro em casa", matando-se a trabalhar mas sabendo que, ao mesmo tempo, precisa ser amigo, companheiro e confidente. Os homens sabem que precisam de tempo para a família e, mais do que tudo, precisam ser bons pais. 

 

E é aqui que tudo se complica. Não é que alguém espere que o homem escolha (pelo menos de forma minimamente decente) a roupa dos miúdos, não é que alguém espere que as crianças saiam de casa bem penteadas ou livres de ramelas quando são despachadas pelo pai. Mas todas esperamos que o pai monte a cadeirinha do carro, que leve os putos a jogar à bola, que os carregue às cavalitas, que fotografe todos os momentos, que tire o carrinho da bagageira, que os ensine a andar de bicicleta e os leve ao judo e à natação. E é suposto fazer isto tudo enquanto dá o litro nove ou dez horas por dia no trabalho.

 

Se é verdade que nós também aguentamos isto tudo e vamos sobrevivendo, entre suspiros e reclamações, não é menos verdade que a pressão também é alta do lado do cromossoma Y. Nós queimámos soutiens e fomos fazendo ouvir a nossa voz e as nossas queixas, tornámos conhecida a nossa "ladainha" e eles, mais silenciosos, foram ficando um bocadinho esquecidos, como se todas as pressões do mundo fossem exclusivamente femininas. Não são. E quando vejo o pai cá de casa assim estourado, esticado no sofá, lembro-me que devia ser um bocadinho mais tolerante porque o mundo é exigente dos dois lados e, já a minha avó dizia "não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti".

 

30
Jan18

E agora? Agora é dor.

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Nos cursos de preparação para o parto, nos livros e fóruns sobre maternidade, em blogues mais ou menos da moda, um bocadinho em todo o lado vá, é abordado o assunto "baby-blues". A gente depois de parir, melhor ou pior, já está preparadas para o turbilhão emocional que aí vem, já sabe que existe uma grande probabilidade de cair na melancolia e estamos prontas para, tal como nos últimos meses, sempre que tivemos enjoos, fome ou irritabilidade, culpar as hormonas. As hormonas, malditas, são na verdade as nossas grandes aliadas. Têm costas largas e servem para desculpar (quase) tudo. Pronto, lá estou eu a dispersar...

 

Voltando ao ponto. Para a melancolia, para a confusão,  e para a tristeza a sociedade já nos vai preparando. É difícil que, hoje em dia, uma mulher seja apanhada de surpresa com o facto de não ser tudo um mar de rosas ali nos primeiros tempos. Para o que ninguém nos prepara é para a parte menos romântica e menos hormonal destas coisas todas, e essa tem um nome: dor. Caraças, como eu gostava que me tivessem dito que sempre que me sentasse ia sentir a episiorrafia toda a repuxar e depois, se me levantasse, era a sutura da cesariana que me fazia dobrar pelo meio (não estranhem, o parto por aqui foi uma espécie de "pague um e leve tudo"). Quem me dera que me tivessem dito que a pega da mama, mesmo correcta, dói que se farta ali nos primeiros tempos e a pessoa tem mesmo que cerrar os dentes para não arrancar a criança à força. Quem me dera que me tivessem dito que como consequência da manobra de Kristeller as costelas ficam de tal maneira lixadas que é impossível uma pessoa virar-se na cama ou mesmo respirar fundo (por falar nesta manobra, já acabavam com esta cagada que não é outra coisa que não violência obstétrica, pura e dura). Quem me dera que me tivessem dito que, depois de parir, mesmo com esquema de analgesia, me ia sentir dorida e doente. Fisicamente doente.

 

Durante muito tempo não falei disto, achava que tinha sido caso único. Mas depois comecei a falar com outras mães e quase todas referiam um mal-estar desgraçado ali nos primeiros tempos. Não sei se é uma consequência do cansaço (ninguém ache que as mães descansam alguma coisa na maternidade), se mais uma vez as hormonas são metidas ao barulho mas, a verdade, é que uma pessoa se sente fraca, doente e com dores. Eu juro que pensei seriamente que me tinham deixado qualquer coisa a sangrar cá dentro e eu estava ali, devagarinho, a perder hemoglobina. É óbvio que não deixaram nada e quando fiz análises estava tudo bem mas porra, que mal me sentia eu.

 

É claro que depois passou. E é essa a boa notícia. Tudo passa. Tudo menos o amor àquelas coisinhas minúsculas. Passa o baby-blues e passa o mal-estar físico, passam as dores e o medo de que alguma coisa esteja realmente errada connosco. Mas, por favor, não deixem as mulheres na ignorância. A maternidade vem com dor associada. A maternidade, que traz o maior amor do mundo, traz também um mal-estar difícil de explicar nos primeiros tempos. E não, não é tudo culpa do baby-blues. É que parir dói que se farta.

29
Jan18

Coitadinho é o c@r@lh#

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Não querendo ser repetitiva, lerem na primeira publicação a parte em que disse que o meu filho é surdo? Pronto, então agora que esse ponto ficou claro vamos lá ao que interessa. Essa orelhinha na fotografia é dele e esse é o aparelho que ele usa, todos os dias, faz hoje exactamente uma semana. Foi o mais discreto possível atendendo às limitações inerentes à idade dele. E a história começa agora...

 

Há três ou quatro dias saí com o Pedro de casa e fomos à rua. Até aqui tudo normal, certo? Pois, eis que nos cruzamos com uma senhora já de certa idade e o miúdo resolve que aquela era a altura certa para tirar a porcaria do aparelho e, nesse movimento, chamou a atenção da dita cuja. Foi toda uma tragédia. "Ai meu rico menino, uma criancinha tão pequenina, que tristeza este castigo de Deus, o menino é surdo, que desgraça". Respirei fundo, tentei (juro que tentei) acalmar-me, seguir em frente, não responder. Mas depois olho bem para a mulherzinha e vejo que usa óculos, ou seja, também ela tem uma deficiência sensorial que necessitou de compensação mas, ainda assim, a desgraça é o meu menino. Aquele olhar de piedade começou a fazer o meu estômago revirar, aquela expressão de drama, a postura de tristeza. E olhem... Teve que ser: "a surdez do meu filho, felizmente, tem solução; já a sua falta de formação não tem salvação possível". Peguei o puto ao colo e pus-me a milhas, sem sequer lhe dar tempo para me responder ou acusar de ser mal-educada.

 

Serve esta conversa toda para quê? Para avisar a população em geral que qualquer pai com um filho diferente, seja porque é surdo, porque tem paralisia cerebral, porque é autista ou porque tem seis dedos em cada mão, se está absolutamente a cagar para a vossa opinião e, na maioria dos casos, tem imensa vontade de vos mandar enrolar a pena num canudo e enfiá-la pelo sagrado orifício que nunca vê a luz do dia.

 

O meu filho é surdo e compensa esse défice com um extraordinário poder de observação. Já repararam na riqueza do tacto de um cego? Já pararam um minuto para tentar perceber a complexidade e inteligência existentes no pensamento de um disléxico? Já oservaram uma criança autista quando realmente consegue interagir? Já pensaram no quão alto pode ser o QI de uma criança com paralesia cerebral? Nós, pais, sabemos tudo isso sobre os nossos filhos. Sabemos que são mágicos, brilhantes, únicos e maravilhoso. E estamo-nos nas tintas para as vossas vistas curtas.

 

Coitadinhos? Só se for das pessoas que, de tão pequeninas, não conseguem ver para além de uma limitação ou deficiência. Tirem esse olhar da cara quando olham para os nosso meninos antes que um de nós acabe por se passar e vos arranque, literalmente, um olho. Não queremos a vossa piedade e muito menos a vossa tristeza. Ou acham que sentem mais que os próprios pais? Acham que para nós foi fácil aceitar o diagnóstico? Têm alguma ideia da ginástica que fazemos, todos os dias, em termos emocionais e financeiros, para dar o mundo aos nossos filhos? Bem me parecia.

 

Tudo o que os pais de "filhos diferentes" não precisam é de olhares de lado e comentários à boca pequena. Tudo o que os nossos filhos não precisam é de serem coitadinhos. Eles são enormes. Gigantes. Extraordinários desde o dia em que nasceram. Quem vos dera.

 

 

29
Jan18

Mas isto é um blogue ou um protesto?

 

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Às vezes estou cansada do meu filho, ligo a baby tv e agradeço aquela meia horinha de paz em que consigo fazer as camas, arrumar a louça lavada ou passar meia dúzia de peças a ferro. Quando ele está birrento e não se quer sentar na cadeira da papa para comer costumo ligar o tablet e ele fica lá que é uma maravilha. Nunca fiz aquelas comidas da moda para bebés. Comia sopas com a carne ou o peixe triturados e, desde que fez um ano, come o mesmo do que nós mas sem sal. E quando digo o mesmo quero dizer exactamente o mesmo. Desde caldeirada a arroz de pato, passando pelo ensopado de borrego ou pelo peixe assado no forno. Nunca comeu panquecas de aveia nem provou quinoa (agora que penso nisso, eu também nunca provei). Mas come Cerelac e bolachas Maria.

 

O meu filho não é loiro de olhos azuis, até porque, nesse caso, não teria a quem sair. Na maioria dos dias anda mais prático do que bonito o que significa que vai quase sempre para a creche com calças de fato treino compradas na Zippy e camisolas de capuz compradas na Primark. Usa ténis todos os dias e, apesar de ter feito 14 meses na semana passada, só ontem deu os primeiros passos sozinho. O parto foi difícil e, como sequela, deixou-o com uma surdez neurossensorial severa o que implica que use aparelho auditivo, bilateral. É esperto que nem um alho e gosta de empilhar legos e fazer desenhos com marcadores; o meu tapete da sala é a sua mais recente obra de arte.

 

Desde que ele nasceu acho que nunca mais comprei roupa para mim e corto o cabelo mais ou menos de seis em seis meses. Dito isto, estou longe de ser uma MILF. Amamentei (e detestei) e as minhas maminhas pagaram a factura transformando-se em duas passas de figo murchas. Gostava muito de ter dinheiro para a plástica mas, hey, já disse que o meu filho é surdo? Deviam investigar o preço de aparelhos bons e discretos. Esqueçam lá a minha recauchutagem.

 

Costumo mostrar ao meu filho um livro com animais e sempre que imito a vaca ou o porco ele ri até à inconsciência. Continua a arrotar alto e bom som no final de todas as refeições e tem a mania aborrecida de comer com as mãos. Quando se porta mesmo mal costumo dar-lhe uma nalgada no rabo de fraldas. Nunca tive uma conversa super profunda com ele sobre o comportamento e não aplico o método Montessoriano, ou lá como se diz. Tem as vacinas em dia (inclusive as extra PNV) e eu tenho sempre vontade de esbofetear as pessoas que não vacinam os filhos. Gosto quando adormece às 20h30 (na maioria dos dias) mas tenho dores na alma porque isso o faz acordar pontualmente às 7h, qual relógio de cuco. Todas as noites faz o primeiro sono na cama dele e depois é transportado para a cama dos pais porque é Inverno, está um frio do caraças, e não há paciência para ficar ali a congelar enquanto ele decide voltar a adormecer.

 

Às vezes fico a olhar para ele quando dorme e quase sempre acabo de lágrima no olho a pensar como é que fiz uma coisa tão perfeita. Mas quando ele arranca os aparelhos dos ouvidos dez vezes em dez minutos tenho vontade de lhe prender as mãos. É isso e quando ele abre os armários da cozinha. Ou quando mete a máquina da louça a lavar.

 

Ditas estas coisas, a verdade é que não sei porque é que estou a escrever isto. Sou uma mãe imperfeita, e não tenho truques, dicas ou conselhos para ninguém. Não tenho nada a oferecer, excepto a minha imperfeição e, talvez, um bocadinho de companhia. Sou só uma mãe cansada das super-mães que dominam a blogosfera e as redes sociais e que são sempre giras e bem arranjadas, com filhos perfeitamente vestidos a combinar e que nunca parecem à beira do colapso em que ando 90% do tempo. Por coisas cá da vida (o que dará toda uma outra publicação) agora tenho mais tempo livre e, por isso, andarei por aqui. Mesmo que eu, o meu marido e as minhas irmãs sejamos as únicas pessoas a lerem o que escrevo.