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A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

29
Abr18

Os grupos de mães no Facebook

 

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Quase todas nós, durante a gravidez, acabamos por aderir a alguns grupos relacionados com a maternidade nas redes sociais. Seja por opção própria seja porque fomos adicionadas por uma amiga, quase todas, em determinado momento, damos por nós mergulhadas no mundo dos grupos de mães. E se 90% das outras mulheres que por lá andam são pessoas normais, tal como nós achamos ser, há sempre 10% de gente completamente alucinada. Vou tentar explicar melhor assim com uma espécie de exercício prático. Imaginem que os vossos filhos vão nascer em Dezembro de 2018; provavelmente vão acabar por ir parar a um grupo qualquer no Facebook chamado "Bebés de Dezembro". Com o passar dos dias vão começar a perceber a dinâmica do grupo e há-de chegar um momento em que as alucinadas se vão começar a revelar. Começam pelo parto e há-de aparecer uma que acha a epidural uma coisa criminosa porque parir com dor é que é natural, depois vem a que rebaixa por todos os meios a desgraçada que disse que tem tanto medo do parto que vai para o privado fazer uma cesariana electiva. A seguir começa o drama com o aleitamento materno, é a vez de vir à cena a primeira fanática das mamas que faz com que as outras se sintam uma merdinha porque não querem ou não conseguem amamentar. E à medida que os putos vão crescendo está o caos instalado.

 

Enfim, eu faço parte de alguns grupos de mães no Facebook e burra que sou e não aprendo, passo a vida a pegar-me com as alucinadas criaturas perfeitas, verdadeiros pináculos da maternidade, que passeiam por estes grupos. Deixo-vos aqui o início do resumo de dezassete meses de experiências que vão passar a crónica semanal. Hoje o tema é a alimentação das criancinhas. Para a semana o tema vai ser "quando os putos ficam doentes". É desfrutarem. Ah, são tudo situações reais. Sem graça nenhuma mas muito, muito reais.

 

 

1. Da saga "a dieta do bebé"

 

- Uma mãe publicou num grupo de que faço parte um post em que pedia exemplos da dieta dos nossos bebés porque, segundo ela, passava o tempo com a sensação que o filho estava sempre a comer as mesmas coisas. Os putos deviam ter uns dez meses na altura. Lá respondi com um dia mais ou menos normal da dieta do Pedro e, no meio daquilo, tive o descaramento de dizer que comia papa ao lanche (cerelac ou nutribén), em dias alternados. Pronto, caldinho entornado (mas foi um caldinho de legumes biológicos, feito ao vapor, sem sal e cheio de amor, ok?). Posso dizer-vos que fui atacada por mais de dez mães sendo que uma delas perguntou inclusivamente se eu, por acaso, gostava realmente do meu filho. Houve também uma, super querida, que me perguntou se estava a criar um porquinho para a engorda e outra que, generosamente, desejou que ele ficasse diabético para eu ver o resultado das minhas escolhas. É óbvio que não deu para ficar calada e, quando dei por mim, tinha-se ali gerado um debate, ou melhor, um motim que acabou com a minha expulsão do grupo (parece que a administradora daquilo também só dava papas da Holle ao filho e não gostou muito das minhas respostas torcidas).

 

- Num outro grupo de que fazia parte, centrado exactamente nas refeições do bebé, uma mãe perguntou se éramos a favor das papas caseiras. Respondi que cá para mim cada uma sabia o que era melhor para o seu filho mas que eu, pessoalmente, não era grande fã do "faça você mesmo" em relação às papas dos miúdos. Quando a senhora perguntou o porquê lá lhe dei a minha opinião (que vale tanto como a de quem defende o contrário, atenção). Uma respostinha educada que me valeu, vá-se lá saber porquê, a expulsão do grupo. Juro que não houve discussao nenhuma. Limitei-me a dar a minha opinião e recebi um passe directo para o olhinho da rua. Eu e, soube mais tarde, uma rapariga farmacêutica que lá andava e que fez um comentário no mesmo registo. Parece que os moderadores do tal grupo também eram uns gurus das papas, panquecas e outras coisas caseiras para bebés e não lhes agradou que andasse lá povo a estragar o negócio.

 

- Uma mãe referiu num comentário qualquer que tinha colocado quatro ingredientes na primeira sopa da bebé. Veio logo uma muito despachada informá-la de que se a criança tivesse uma reacção alérgica grave era melhor ela não se ir depois para ali queixar. Onde é que já se viu? Quatro ingredientes? Que crime. A outra desgraçada lá respondeu muito encolhida que tinha sido indicação do pediatra ao que a mãe sabedora respondeu depressa "não o queira rifar não". Como não amar esta gente?

 

 - Uma mãe descaiu-se num comentário a uma publicação a dizer que já dava carne de porco ao miúdo. O puto ainda não tinha feito um ano. Veio logo uma mãe comentar o comentário (credo) a dizer "no seu lugar olhava com muita atenção para os cocós do menino para tentar ver se tem ovos". What?!? (Esta não era super mãe, pareceu-me. Era só super burra!)

 

- Por último que não vos quero aborrecer. Uma mãe relatava o seu desespero com o BLW e dizia que a miúda não comia mesmo nada, que tinha sempre que a meter na mama, que não andava a aumentar nada de peso, enfim, todo um desespero. Esta que vos escreve assim muito tranquila e com a mania do humor ligeirinho pergunta "já experimentou dar uma sopinha? Às vezes a bebé pode ser mais fã do método tradicional." Ai porra, o que é que eu fui dizer. Brigada do fanatismo em cima de mim num instantinho a dizer que não senhora, que aquilo era para insistir e que se a menina ainda mamava não havia problema nenhum, qualquer dentada na cenourinha já era um grande ganho. Eu ainda tentei explicar que o BLW é um conceito que me agrada e que o fazia parcialmente com o Pedro mas que não via mal nenhum numa sopinha de vez em quando. Só que não. A sopa é do satanás. Aquilo é insistir, insistir e insistir. Ao menos desse grupo não me expulsaram. Ainda lá estou de pedra e cal.

 

 

Enfim, um dia faço eu um grupo no Facebook chamado "A brigada das mães imperfeitas". Quem quiser aderir tem que responder a um questionário de dez perguntas tipo "já alguma vez teve vontade de deitar o seu filho pela janela?", "tem saudades da vida antes da maternidade?", "ainda não está farta do c@brão do Panda?". Mais de duas respostas negativas e andor, fora, xô. Vão pregar a perfeição para outra freguesia que aqui ninguém vos atura.

 

Pronto. Era isto.

 

Nota: É óbvio que roubei a imagem do Google porque nenhuma mãe de bebé(s) tem este aspecto na vida real.

26
Abr18

Querida mamã

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Olá querida mamã,

 

Já levamos algum tempo juntos nesta viagem mágica. Sei que as coisas não têm sido fáceis... Olho para ti e vejo o teu cansaço em cada linha do rosto. Sei que tens necessidade de dormir, sei que sentes saudades do papá apesar de estarem juntos todos os dias, sei que o trabalho te desgasta e sentes sempre que não consegues chegar a todo o lado. Este Inverno foi longo e difícil, adoeci muitas vezes, fiquei mais mimado e comecei a querer dormir contigo e com o papá todas as noites. Houve fases terríveis entre antibióticos, febres e aerossóis mas a Primavera começa a mostrar-se e sei que, com este solinho, tudo vai ficar melhor. Está quase a chegar a altura em que podemos ir ao parque, fazer piqueniques e brincar juntos até mais tarde. Na verdade eu sei que, às vezes, quando brincas comigo às cozinhas ou aos Legos, a tua cabeça está a resolver problemas do trabalho ou a pensar no jantar e na pilha de roupa para passar a ferro, mas sabes querida mamã, eu gosto tanto dos momentos que passamos juntos a brincar que prefiro esquecer que tens outras preocupações para além de mim. Quando brincamos juntos e tu sorris o meu coração pequenino dispara de alegria e é por isso que te ofereço os meus sorrisos de poucos dentes com tanta frequência.

 

Às vezes também me porto mal. Faço birras na rua, atiro-me para o chão e grito muito. Sei que, nesses momentos, tens que fazer um grande esforço para não te descontrolares e, às vezes, até tens vontade de chorar comigo mas tens que perceber que eu ainda não aprendi muito bem a lidar com a frustração. Acontece muitas vezes que eu quero uma coisa, seja a chave do carro seja mexer no interruptor da luz, e vocês só me dizem que não. E sim, eu já percebo que é errado abrir as gavetas todas, comer as velas da decoração ou tentar mexer nos botões da máquina de lavar louça mas é mais forte do que eu. O mundo tem tanta coisa para explorar, há tantos segredos nas gavetas, tantas luzinhas nos electrodomésticos que eu até me esqueço que são brincadeiras interditas. Desculpas-me por isso mamã?

 

Eu também te desculpo algumas coisas, sabias? Desculpo quando te esqueces que sou só uma criança e gritas sem razão, desculpo quando não queres brincar comigo porque tiveste uma chatice no trabalho, desculpo quando não me levas a passear na rua porque estás cansada. E sabes porque é que te desculpo? Porque no meu coração eu sei e sinto todos os dias que fazes sempre o teu melhor e que, não importa as circunstâncias, o teu sorriso mais verdadeiro é sempre meu. Nos dias bons e maus. Cada dia, todos os dias.

 

Querida mamã, eu sinto quando ficas muito quietinha ao meu lado a ver-me dormir. Sinto cada beijinho delicado nas minhas bochechas, sinto cada festinha nos meus cabelos. E sinto o teu orgulho. Ainda me lembro da tua cara no dia em que me viste dar os primeiros passos, no dia em que disse a minha primeira palavra, no dia em que fiz a minha primeira gracinha. Sei, mais uma vez porque o sinto, que aos teus olhos sou a criança mais inteligente e mais bonita do mundo. E sabes uma coisa? Aos meus olhinhos pequeninos tu também és a mãe mais bonita e inteligente do mundo. Mesmo sem maquilhagem, em pijama e cansada não há nenhuma outra mãe que te chegue aos calcanhares. Nem sequer a mãe do Ruca, sabias? 

 

Gosto da tua sopinha e dos teus bifinhos com arroz, gosto quando cantas e danças as músicas do Panda comigo, gosto quando aplaudes as minhas conquistas, gosto quando me deixas provar o que estás a comer e até gosto do teu ar orgulhoso quando me vestes com as roupinhas novas que me compraste com tanto carinho. Se eu sou o centro do teu mundo nunca te esqueças que é ao redor de ti que o meu mundo gravita. Eu vim de ti e tu ficaste comigo. Hoje e sempre, está bem querida mamã?

 

 

(Esta é a segunda carta do conjunto "Dia da Mãe". A primeira, escrita na perspectiva de um bebé ainda na barriguinha materna, pode ser lida aqui https://amaeimperfeita.blogs.sapo.pt/?skip=1).

24
Abr18

O primeiro dia de creche

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Sempre li muito e isso, mais do que uma ajuda, às vezes torna-se um problema. É difícil gerir o excesso de informação quando este, muitas vezes é, inclusivamente, contraditório entre si. No que diz respeito ao tema "primeiro dia de creche" acabei por memorizar meia-dúzia de pontos-chave que eram mais ou menos transversais a tudo aquilo que li e que agora partilho convosco:

 

- Sim, faz sentido que a integração na creche seja feita de forma gradual e, por isso, é conveniente que os miúdos entrem na creche alguns dias antes dos pais regressarem ao trabalho. Com os pais em casa é possível que as crianças no primeiro dia de creche apenas lá estejam por um curto período que deve ir aumentando gradualmente durante os dias seguintes. Também faz sentido que o primeiro dia de creche coincida com o início da semana para que a criança tenha de facto dias seguidos suficientes para se começar a adaptar.

- Quando deixamos o nosso filho na creche, e por muito que nos custe, a despedida tem que ser relativamente rápida. Não tem qualquer interesse prolongar a despedida e muito menos devemos voltar atrás porque eles choram. Depois de passarmos o nosso filho para o colo das educadoras temos que respirar fundo e abandonar a creche mesmo que isso nos "parta o fígado em dois".

- Para as mães mais emotivas é importante que se contenham. Chorem no carro a caminho do trabalho, chorem em casa abraçadas às almofadas mas nunca chorem em frente ao vosso filho quando o estão a deixar na creche.

 

Depois há outros pontos que levantam mais controvérsia mas desses só posso falar pela forma como decidi. Cada vez mais se defende que as mães devem estar com os filhos na sala no primeiro dia de creche. Eu pessoalmente optei por não o fazer. Pareceu-me uma invasão da dinâmica habitual da sala. Uma vez que o Pedro entrou na creche em Setembro, no início do ano lectivo, e havia mais crianças novas imaginem o que seria se todas as mães decidissem ficar por ali. Mas, como vos digo, foi uma decisão pessoal e qualquer outra teria sido igualmente correcta (desde que existisse abertura da parte da creche, claro).

 

Enfim, mesmo cheia de ideias na cabeça a entrada do Pedro na creche correu francamente mal. Havia a agravante da surdez do Pedro que, já sendo uma suspeita, não era ainda uma certeza e, inclusivamente, pensava-se ser uma coisa de menor dimensão. É natural que uma criança surda, sem a segurança sonora, se sinta ainda mais perdida que as crianças que podem contar com todos os sentidos para as ajudar na adaptação. Adiante...

 

Deixei o Pedro na creche cerca das 10h (com ele a chorar muito) e a ideia era ir buscá-lo às 12h mas, como combinado com as responsáveis da sala, liguei às 11h para saber como estavam as coisas. Nesse telefonema fui informada que não estava a ser fácil acalmá-lo pelo que decidimos que o deveria ir buscar de imediato. Quando lá cheguei fiquei com o coração partido aos cacos. Ele estava vermelho, de olhos inchados e lágrimas a escorrer cara abaixo. Quando me viu começou logo a esticar os bracinhos e a chorar ainda com mais força. Juro que podia ler um "salva-me!!!" na expressão dele. E se eu até tinha aguentado bem a parte do deixá-lo lá, depois de o ir buscar cheguei a casa a sentir-me uma autêntica merda. Nesse dia, já em casa comigo, ele recusou o almoço e foi preciso mais do que uma hora para o conseguir adormecer. Na verdade o filme repetiu-se nos dias seguintes e, por isso, nos primeiros três dias nunca ficou na creche mais de 1h30'. Só ao quarto dia almoçou lá. A parte positiva é que mesmo sempre a chorar e francamente nervoso ele permitia que cuidassem dele e sempre comeu bem.

 

Foram precisas semanas para que as coisas entrassem num ritmo estável. No nosso caso concreto a colocação dos aparelhos auditivos foi o ponto de viragem. Desde Janeiro que ele é claramente uma criança muito feliz na creche apesar de ainda ficar a chorar de manhã na grande maioria dos dias. Se foi fácil? Nadinha. O Pedro foi realmente uma criança com uma adaptação prolongada e difícil mas claramente valeu a pena. Hoje em dia, sempre que o vou buscar, ele está todo satisfeito a brincar e sinto que ele gosta das educadoras e que elas gostam dele (e sentir isso é talvez o mais importante de tudo).

 

Às mães que vão iniciar esta jornada aconselho paciência, coragem e persistência. É pensar que se as outras todas conseguiram vocês também conseguem. Pode ser uma adaptação mais ou menos difícil para vocês e para os vossos filhos mas, no final, esteja ele longe ou perto, saem todos vencedores.

23
Abr18

A carta do teu bebé

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Olá mamã,

 

Sei que os últimos tempos têm sido estranhos para ti. Na verdade, apesar de já me sentires e passares horas a imaginar-me, a verdade é que ainda não me conheces. Neste momento sou uma espécie de segredo bem guardado e sinto que sou praticamente só teu (apesar de, de vez em quando, deixar que o papá sinta um dos meus pontapés). Sei bem que vim mudar a tua vida e que, desde o momento em que soubeste que vinha a caminho, nunca mais nada foi igual. Sabes que senti que choraste no dia em que ouviste o meu coraçãozinho pela primeira vez? Ainda nunca te disse mas eu também me emociono sempre a ouvir o teu, é o som que me acompanha aqui dentro, aquele "pum, pum, pum" que me faz sentir protegido e amado.

 

Os nossos primeiros meses foram difíceis e peço-te desculpa por isso. Todos os dias quando acordavas sentias uns enjoos terríveis, não era? Sei disso porque conseguia perceber o esforço que fazias para te alimentar e, assim, permitires-me crescer e desenvolver de forma simples e feliz. Conheço os sacrifícios que tens feito por mim desde o primeiro minuto e sei que vais continuar a fazê-los pela vida toda, mesmo depois de eu nascer. Posso sentir o teu coração bater mais rápido sempre que é dia de me espreitarem através da ecografia. Às vezes gostava de te poder acalmar e dizer que está tudo bem mas, como ainda não consigo, vou-te dando uns pequenos pontapés para que saibas que estou bem, seguro e feliz. Desculpa quando, sem querer, acabo por te acertar numa costela ou apertar muito a bexiga mas o espaço aqui dentro é pouco e eu já gosto muito de brincar.

 

Tenho sentido, à medida que os dias vão passando, que andas um bocadinho mais ansiosa e com medo mas quero dizer-te que não precisas sentir-te assim. Quando eu sair e olhares para mim, mesmo que não fiques logo apaixonada ao primeiro olhar, vais perceber que uma parte de ti foi conquistada para sempre e, à medida que os dias forem passando, o teu amor vai crescer tanto que um dia te apercebes que já não existem palavras suficientes para o descrever. Não olhes para as outras mães com medo de que não consigas ser tão boa como elas. Sabes mamã, tenho a certeza que vais ser muito melhor. É verdade que vais andar cansada, é verdade que vou precisar de me alimentar de noite, que vou ter cólicas e que os teus dias se vão quase perder entre leite, arrotos, fraldas e banhinhos mas um dia vais ter saudades, sabias? Um dia vais lembrar-te com saudade do meu cheirinho e talvez seja nessa altura que me decidas dar um mano.

 

Não te preocupes querida mamã, temos todo o tempo do mundo para nos adaptarmos um ao outro. Não vai ser fácil. A tua vida vai mudar (ainda mais do que já mudou) e eu tenho um mundo inteiro totalmente novo para conhecer. É natural que eu às vezes fique perdido e irritado e que tu te sintas triste e cansada mas acho que isso faz tudo parte da missão que temos pela frente. E não te esqueças que temos sempre a ajuda do papá.

 

Hoje durante a noite pude ver um bocadinho dos teus sonhos e queria dizer-te que não precisas de te preocupar tanto. É verdade que quando eu sair daqui vai ser doloroso para os dois. Tu vais ter dores físicas para me colocar no mundo e eu vou sofrer para sair e para poder respirar pela primeira vez. Mas no final querida mamã, quando me deres o primeiro abraço e o primeiro beijinho, vais ver que valeu tudo a pena. Cada contracção, cada grito e cada dor foram apenas um passinho na maratona que vamos ter pela frente e que será a mais feliz e enriquecedora das nossas vidas.

 

Mãe, eu ainda não te conheço e já gosto tanto de ti. Não tenhas medo mamã querida, vai correr tudo bem. 

 

(Esta é a primeira carta do conjunto de cinco que decidi escrever em comemoração do Dia da Mãe. As cartas acompanharão a relação mãe-filho ao longo de todo o ciclo vital e, por isso, se a primeira é "escrita" ainda in utero, a segunda será escrita na infância, a terceira na adolescência e a quarta na idade adulta. A última carta desta série não será escrita por mim mas sim pelo "Pai Imperfeito" e será publicada no Domingo, 6 de Maio, como forma de fechar este ciclo de homenagem a todas as mães. Desculpem se serão textos mais lamechas que o habitual mas acho que, por muito duronas que sejamos, todas temos um coração cá dentro que amoleceu muito com a chegada da maior de todas as surpresas: o(s) nosso(s) filho(s)).

18
Abr18

Às vezes tenho saudades da vida antes de ser mãe

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Às vezes tenho saudades da vida antes de ser mãe. Nessa altura dormia manhãs inteiras com o sol a entrar pela janela e, quando me levantava, comia um prato de cereais e fruta e seguia para o ginásio. Tinha todo o tempo do mundo para conversar com amigas porque os meus horários não dependiam das necessidades de ninguém. Era eu e pronto. Nunca me preocupei se havia sopa feita ou fruta fresca em casa. Não havia horas para nada e as regras eram unicamente aquelas que o horário laboral me impunha. Conseguia fazer maratonas de séries que duravam uma noite inteira ou despachar um livro num dia. Tinha dias em que até me dava ao luxo de me esquecer de viver. Conseguia andar mais ou menos actualizada em relação à moda e usava maquilhagem e lentes de contacto sempre. Ir ao cabeleireiro ou à esteticista era uma rotina e, mesmo assim, não chegava a meio do mês a pensar em mil maneiras de fazer esticar o dinheiro. Gostava de viajar, de me perder na história de cada cidade e, às vezes, conseguia fugir até ao mar. Era absolutamente livre na altura. 

 

Um dia, sem programar, engravidei. Sabia que era uma possibilidade até porque não estava a fazer nada que pudesse impedir uma gravidez. E foi assim, com um teste de farmácia, que as coisas começaram a mudar. De repente era preciso tomar iodo, ácido fólico e ferro religiosamente e o ginásio foi proibido por complicações inerentes à nova condição. De repente era urgente encontrar outra casa porque não havia grandes formas de encaixar um bebé num T1 que já para dois era pequeno. E assim, mesmo com o meu filho ainda na barriga, fui sentindo a vida mudar. As noites começaram a ser mal dormidas por culpa da azia, dos chichis e da falta de posição, os sonhos tornaram-se experiências quase surreais, o corpo mudou drasticamente. Comecei a ter cuidados alimentares que não tinha porque afinal, agora já não era só eu. 

 

E depois o meu filho nasceu e a minha vida ficou presa a ele de forma permanente. Desde a primeira vez que o vi que percebi que nunca mais ia ser livre mas, no meu coração percebi também outra verdade: aquela era a melhor prisão do mundo. Fiquei amarrada a um bebé pequenino que me assustava. Lembro-me que quando saí da maternidade tive que fazer um esforço surreal para não chorar. Só pensava "e agora?". Valeu-me o marido, o instinto e o amor gigante. Compreendi o chavão que antes me irritava de morte, era verdade que o meu coração batia fora do meu corpo agora. Nunca mais consegui fazer uma maratona de séries ou de leitura mas agora dou um valor especial a todas as meias horas que consigo tirar para ler uns capítulos. Lembro-me de informar o pai que durante os episódios da última temporada de GoT a responsabilidade do bebé era toda dele e, posso dizer, que cada episódio me soube pela vida.

 

Agora sempre que saio de casa levo um saco enorme atrás e ando sempre presa às horas. Hora do almoço, hora da sesta, hora do lanche, hora de dormir. Tenho sempre o cuidado de ter fruta fresca em casa e faço sopa quase todos os dias. Para além da sopa às vezes dou por mim às nove da manhã a preparar os ingredientes para uma jardineira de vitela e acho super normal comprar linguado para grelhar ao bebé mesmo que esteja a 25€/Kg. Estico o cabelo em casa e só vou à cabeleireira quando o espigado das pontas atinge tamanhos vergonhoso. Arranjo as unhas se tiver algum casamento e, nos dias normais, uso quase sempre leggings e um camisolão por cima. As minhas maminhas ficaram feias e o meu rabo flácido, não tenho paciência para maquilhagem ou lentes de contacto. É claro que há dias em que me lembro que sou mulher e tento arranjar-me melhor. Nesses dias, que me sabem pela vida, sinto-me linda e brilhante, muito mais do que antes quando andava sempre cuidada. Não temos viajado nada e os meses têm sido sempre demasiado compridos para o ordenado. 

 

Às vezes tenho saudades da vida de antes, sem grandes responsabilidades, prisões ou obrigações. Era livre. Mas a verdade é que não a trocava pela vida de agora. Presa a um menino lindo e a uma barriga a crescer outra vez. Irremediavelmente presa, apaixonadamente presa e muito, muito grata por esta prisão.

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