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A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

17
Abr18

Mitos e crenças associados à gravidez e ao parto

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Já há algum tempo que andava com vontade de escrever sobre a quantidade de mitos associados a esta fase da vida de uma mulher. Talvez por viver num meio pequeno as crenças ao redor do tema "gravidez e bebé" acabam sempre por aparecer durante as conversas e se, em algumas dá para encontrar um fundo de verdade, outras há que são tão disparatadas que gabo a criatividade do seu criador. Então cá vai:

 

1. Mulheres que sofrem muito com azia na gravidez têm bebés cabeludos 

Pronto, esta é daquelas que dá para rebater com a minha experiência pessoal. Na primeira gravidez tive tanta mas tanta azia que sentia que tinha um vulcão em erupção algures entre o estômago e o esófago. A agonia era de tal ordem que me forçava a levantar da cama para beber leite gelado (era a única coisa que me aliviava) durante a madrugada. O meu gastroenterologista prescreveu-me a famosa "aguentoterapia" que é como quem diz "pouco barulho e não chora". Nem vos sei explicar o desespero que tinha em certos momentos. Um dia uma amiga falou-me em comer amêndoas peladas como uma solução eficaz. Desesperada como estava era sacos atrás de sacos mas o resultado foi sempre mais ou menos zero. Acabei por voltar ao leite gelado que, assim como assim, sempre ficava mais barato. O Pedro nasceu praticamente careca. Desta vez tenho-me estado a safar à praga da azia, deixem lá ver a cabeleira que este traz.

 

2. Se a grávida não comer o alimento que deseja o bebé nasce com a cara desse alimento

Nunca tive desejos na gravidez do Pedro mas espero, de verdade, que isto seja falso. É que se for verdade este que aí vem nasce com antenas e uma casa às costas que eu continuo aqui a salivar por um pratinho de caracóis (estou à beira do "aguamento" como se diz por aqui). Há uns tempos li uma piada parva qualquer sobre este tema que era mais ou menos assim:

Uma mulher grávida acorda de noite e diz ao marido que está cheia de vontade de comer carne de urubu ao que o marido responde que tal desejo é impossível de concretizar pelo que é melhor ela esquecer tal ideia e voltar a adormecer. No dia em que a criança nasce o pai, estupefacto, repara que sendo ele e a mulher brancos a criança é pretinha e questiona a mulher. A mulher responde "recordas a noite em que pedi carne de urubu e disseste que era impossível? Cá está o resultado, o bebé nasceu preto". O marido, intrigado, telefona à mãe e pergunta-lhe se acha possível que esta explicação seja verdadeira ao que a mãe prontamente responde "faz todo o sentido sim, filho. Quando estava grávida de ti também tive o desejo de comer carne de boi e o teu pai não o atendeu. É por isso que nasceste corno."

 

E pronto, a piada é parva mas acho que dá para perceber a ideia.

 

3. Se a grávida usar chaves ou medalhas ao pescoço a criança nasce com essa marca na pele.

Sabem o que é um chamador de anjos? Cá em Portugal não se utiliza muito, é verdade mas, em países como a Itália, não há uma única grávida que não utilize um ao pescoço. Diz a crença popular que o sininho dentro do chamador badalando a cada passo que a mãe dá acalma o bebé e invoca o anjo que o há-de proteger sempre. Quando o bebé nasce o chamador deve ser colocado no berço do pequeno. Ora bem, eu não sou muito de superstições mas a minha irmã vive em Itália e ofereceu-me um na gravidez do Pedro. Usei sempre (podem vê-lo na imagem que ilustra esta publicação) e o puto não tem um único sinal ou mancha no corpinho. Já a minha mãe diz que deixou cair um caroço de azeitona na barriga quando estava grávida da minha irmã e é por isso que ela nasceu com uma mancha qualquer. Isto também já se sabe que cada um acredita naquilo que quer...

 

4. Passar por baixo de escadas faz com que o cordão umbilical se enrole ao redor do pescoço do bebé

Esta é mesmo daquelas que pronto. Quantos e quantos bebés nascem com circulares do cordão e as mães nem viram uma escada na gravidez inteira? E quantas não passaram debaixo de escadas e os putos nascem maravilhosos sem cordão nenhum a enrolar? Espero que façam um estudo credível sobre isto para sossegar uns quantos espíritos aqui pelo Portugal mais rural.

 

5. Lavar os cabelos após o parto prejudica a recuperação da mãe.

Pronto, agora sim, está tudo explicado. Eis aqui a razão porque andei mais de um mês a penar. Não foi das costelas fissuradas, não foi das tentativas de ventosas e fórcepes falhados, não foi sequer da cesariana. Foi mesmo da triste ideia de me ir meter a lavar a cabeça no dia a seguir a parir. Porque é que ninguém me avisou disto mais cedo? Mãe, falhaste-me assim porquê? É que olhando para esta ideia só vejo vantagens. Aposto que se não tivesse lavado tanto a cabeça nem a queda de cabelo no pós-parto tinha sido a brutidade que foi (juro que achei que ainda ficava careca, tal não eram os novelos de cabelo que ficavam na escova depois de cada passagem). O que vale é que desta vez já sei e vou preparada. Ainda hoje vou fazer a encomenda dos resguardos que não quero depois "olear" as fronhas.

 

6. Comer bacalhau aumenta a quantidade de leite materno.

Nãooooo, mas este mito é dos que tem alguma lógica científica por trás. Ora bem, nós comemos o bacalhau tendencialmente salgado e, portanto, teoricamente isso aumenta a nossa sede. Com mais sede mais água, com mais água mais leite. Fácil. O da cerveja preta (sim, há quem diga que também aumenta a produção de leite) deve vir na mesma onda, mais líquido mais leite, com a vantagem de que deve fazer os putos dormirem melhor à noite (calma, era piada, nada de álcool e pronto).

 

Pronto, fico-me por aqui. Caso conheçam mais alguns mitos patilhem comigo que gosto de ser uma pessoa informada. Aqui ou na página do Facebook em "A mãe imperfeita" (não consigo deixar o link). Até lá tentem não dar muita água das pedras aos vossos filhos amarelos que diz que também não é grande ideia.

16
Abr18

Sim, o meu filho está doente. Não, não pode ficar com a avó.

 

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Antes de engravidarem eram consideradas óptimas profissionais. Competentes, dedicadas, criativas, disponíveis, elas ali estavam sempre na primeira fila, com um sim como resposta a quase todas as perguntas da entidade patronal e um registo de assiduidade impecável. Com a gravidez veio o primeiro abalo. Elas que antes podiam tudo agora não podem fazer horas extraordinárias, trazem justificações para os dias de consulta e pedem dias de folga para fazer ecografias. E a entidade patronal começa a torcer o nariz mas pensa que são nove mesinhos e depois volta tudo ao normal. A questão é que não volta. As sacanas, antes sempre dispostas a colocar os interesses da empresa em primeiro lugar, tiveram o desplante de optar pela licença alargada e começa a pensar-se que, no fim, vai ter que se contratar alguém para as substituir porque, inclusivamente, estão a recusar-se a trabalhar a partir de casa alegando que precisam de tempo para elas e para o bebé.

 

Entretanto os meses passam e elas voltam. Só que já não são as mesmas. Agora chegam uma hora mais tarde e saem uma hora mais cedo à conta do horário de amamentação e há um dia em que telefonam de manhã e dizem que não vão poder trabalhar porque têm o filho doente. Da primeira vez a coisa ainda passa mas depois, nas vezes seguintes, até os próprios colegas já bufam em desespero. É que o trabalho delas sobra para alguém e elas parece que nem se importam com isso, como se os filhos importassem mais do que tudo o resto. A entidade patronal começa a ser menos tolerante e os adjectivos que antes as qualificavam vão mudando. Já não são competentes e dedicadas, agora são muito menos competentes e quase sempre indisponíveis. Depois há um dia em que os putos apanham varicela e elas não vêm trabalhar uma semana inteira. O registo de assiduidade, antes impecável, começa a ficar manchado e elas parece que não percebem isso. Até que um dia uma colega maldosa, que já nem se lembra como é ter filhos pequenos, faz a pergunta fatal "mas os meninos doentes não podem ficar com a avó?", e aí elas abraçam com força a posição de mãe e deixam na secretária da colega a seguinte resposta:

 

"Quando os nossos filhos estão doentes nenhum outro colo os conforta tanto como o da mãe ou o do pai. É a nós que eles querem quando a febre sobe e eles tremem, quando os vómitos os derrubam ou quando a comichão é tanta que nada os alivia. Se adoram as avós? Claro que sim. Mas doentes eles querem antes os braços fortes do pai e os beijos curativos da mãe. Querem a canjinha que a mãe faz, temperada de pózinhos mágicos que baixam febres e aliviam dores. Querem que seja o pai a dar-lhe o banho morninho enquanto imita os patos, os caranguejos e os búzios que pulam na banheira. Fomos nós que fizemos os nossos filhos, não foram as avós. Quando os nossos filhos estão doentes mais do que nunca são uma responsabilidade nossa e não dos outros. Quando os nossos filhos estão doentes não têm que ser largados na creche onde ou são colocados numa sala de isolamente ou contaminam mais umas quantas crianças. Quando os nossos filhos estão doentes têm o direito de não ser arrancados de casa e retirados do ambiente que, para eles, é o mais seguro do mundo. Quando os nossos filhos estão doentes o nosso mundo gravita ao redor de febres, diarreias e dentes a romper. Quando os nossos filhos estão doentes as nossas vidas ficam viradas do avesso. Quando os nossos filhos estão doentes nós somos tudo o que eles querem e eles são tudo o que nós queremos."

 

E no dia a seguir a colega lê o recado, torce a boca num esgar de amargura e reclama qualquer coisa como um "criei os meus três filhos sem nunca faltar um dia ao trabalho e eles aí estão, feitos uns homens e umas mulheres valentes". E elas, as mães de agora, as que passaram de bestiais a bestas encolhem os ombros e lá no fundo até têm pena. Mas chega o tempo em que depois de tanta porrada vinda de tantos lados são elas que acabam por perder a vontade, começam a nem responder e a encolher os ombros às piadas dos colegas, a evitar olhar o chefe nos olhos, não por vergonha, mas por medo que a frontalidade lhes saia demasiado cara, afinal há fraldas para pagar... Há um dia em que percebem que a empresa que um dia foi o mundo delas as cuspiu para fora devagarinho, não permitiu que os filhos delas fizessem parte. E elas sabem que se tivessem encontrado respeito e tolerância não se teriam importado de fazer horas a mais alguns dias, de trazer trabalho para casa ou de viajar em trabalho. Elas só precisavam que as tivessem deixado ajustar, que as tivessem deixado adaptar à realidade de mães e profissionais. Mas a entidade patronal não soube esperar, as colegas tiveram pressa em julgar e elas perderam a vontade, a garra e a motivação.

 

Um dia elas hão-de bater com a porta.

 

É que os filhos delas doentes querem as mães, não querem nem a creche nem as avós.

 

* Imagem retirada do Google

15
Abr18

É todo um novo nível

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Quando a gente acha que a parvoíce já atingiu o seu expoente máximo aparece sempre alguma coisa ou alguém para nos provar que, não senhora, há sempre todo um outro patamar que pode ser atingido. Hoje uma amiga mandou-me o link desta página, atribuída a um pretenso Life Coach, e cravadinha de merda de uma ponta à outra. Vasculhei aquilo tudo à procura do local onde iria encontrar uma notificação de que aquela página era humorística, a questão é que não encontrei. Posto isto nem sei bem o que hei-de pensar, estou baralhada. Enquanto penso e não penso decidi assumir que era real e responder ao texto mais parvo de todos, parágrafo por parágrafo. Suponho que não seja preciso referir mas os parágrafos a itálico são os do texto original, a minha resposta vem a negrito. Que Deus nos ajude.

 

 

"Segundo os estudos mais recentes, as vacinas criam autistas. Temos de proteger as crianças. O amor já tem componentes químicos suficientes para imunizar os nossos filhos. As pessoas esquecem-se do mais importante: estar perto dos filhos. E estar perto é cuidar, brincar, amar. É estar informado e, para isso, não injetar veneno que pode transformar as nossas crianças em seres autistas."

 

Olá senhor Life Coach (nem sabia que esta cagada era uma profissão mas isto já se sabe, é viver e aprender), gostava de começar esta conversa com uma questão simples: o senhor, por acaso, é o filho do Gustavo Santos? Sei que em termos biológicos o filho do referido deve ter pouco mais que um ano mas, com o amor todo que recebe, pode ter amadurecido muito depressa (repare que maduro e inteligente não são necessariamente sinónimos). Parece-me que li algures que o nome do menino era Salvador. Diga-me então, é você? É que se for fica tudo explicado e a conversa acaba já aqui, escusamos de levar isto adiante…

 

"Para quem diz que os pais não vacinam porque não estão informados é porque nunca sentiu o amor paternal. Um pai e uma mãe querem o melhor para os seus filhos e, naturalmente, nunca iriam colocar em perigo a sua saúde. Se optam por não vacinar é porque estão informados e não seguem o que o Estado, em conluio com a multimilionária indústria farmacêutica, quer impor. Os filhos não podem ser cobaias, não devem ser os certificados de aforro do dinheiro cego da indústria química. E, para isso, devem ser protegidos, devem estar abrigados, devem estar escondidos de quem não os ama."

 

Cá a ver como é que lhe hei-de explicar isto… Os pais que amam pouco os filhos ficam loucos só de pensar em ter os putos doentes. Até uma simples gastroenterite tira os pais da rota, imagine lá então uma tosse convulsa, um sarampo ou uma rubéola. É por isso que, pressionados pelo pânico provocado por essa falta de amor, levam os putos às vacinas, transformando-os na cobaia número três biliões de vacinas que, ninguém sabe como, conseguiram erradicar doenças. O senhor Life Coach não acha estranho que doenças como a poliomielite tenham desaparecido completamente? Ah, espere, demos cabo dessa mais arranjámos mais meia-dúzia delas, não foi? Sendo assim, para seguir o seu conselho e esconder os meus filhos de quem não os ama, já tenho o meu marido de pá no quintal a cavar uma espécie de bunker para enfiar os putos. Ficam ali escondidos, das pessoas, das vacinas e do mundo e pode ser que a doença não os apanhe, quero dizer, sem luz do sol é capaz de aparecer o raquitismo mas, como nós dois sabemos, nada que uma boa dose de amor não cure. =)

 

"A realidade é que se trata de uma verdade que está a ganhar maior eco e isso deve-se a algumas figuras públicas ligadas ao mundo da arte. Aqui reside a nossa maior força. Em quem acreditam? Em estrelas de cinema que têm tempo livre para procurar a melhor alternativa para os nossos filhos ou em "cientistas" e médicos que estão a mando (e no bolso) da indústria das vacinas? Há claramente uns que não têm nada a ganhar com isto: as estrelas de cinema. Ouvindo-as, quem ganha claramente são os nossos filhos."

 

Aqui em Portugal ainda não temos assim nenhum famosos a dar a cara pelo movimento anti-vacinas, pois não? Eu cá gostava de sugerir que o senhor Life Coach fizesse uma parceria com uma figura pública idónea, inteligente e bem paga. Posso dar uma dica? Convide, por exemplo, um ex-concorrente da casa dos segredos. Todos sabemos que são pessoas bem informadas, cultas e, com o que ganham em presenças em discotecas azeiteiras, não precisam do dinheiro sujo da indústria farmacêutica para nada. Pense nisto com carinho, sim?

 

"Como é que sobrevivemos milhares de milhões de anos, em diferentes planetas, sem vacinas? Simples. Sobrevivemos unidos pela matéria de energia que nos envolve: a Humanidade e a aura cósmica. Injetar a falsa imunidade é retirar-nos o escudo protetor que a energia cósmica criou para todos nós: homens, animais e plantas. Não ter escudo protetor é estar à mercê da pior das doenças, cancro, varicela ou o olhar acusador do filho a quem o pai não conseguiu proteger."

 

É nesta parte que começo a acreditar que a sua página, afinal, é humorística. E quase que suspiro de alívio. Já podia ter dito que estava a brincar, não era preciso chegar à parte de ter que fazer a piada óbvia com a nossa sobrevivência em diferentes planetas. Ou isso ou o senhor Life Coach se calhar veio mesmo de outro planeta e, nesse caso, voltamos à casa de partida: não diga mais nada que está tudo explicado (espere, tudo, tudo também não que ainda me resta uma dúvida: esse escudo protector de que fala resiste à kryptonite?).

 

Com todo o meu amor,

 

Carmen

 

Se tiverem curiosidade visitem a página em questão aqui: https://www.facebook.com/SalvadorLifeCoach/?hc_ref=ARS-i0Q2bZSSEW4ygMGF4sNSjyX6gtgjaZ7Br9eSrxLTJUnEWjfpDLjxtuPXhtG6p5I Depois digam-me se acharam que é uma piadinha ou temos mesmo que começar a impedir os nossos filhos de sorrirem para estranhos.

13
Abr18

Os mal-amados

 

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Às vezes (muitas vezes, pronto) queixo-me da minha profissão. Porque é mal-paga, porque o reconhecimento é escasso, porque trabalho de dia, de noite, feriados e fins-de-semana, enfim... Queixo-me e com razão plena, acredito. Mas, mesmo assim, desconfio que existe uma classe profissional em Portugal que consegue ser ainda mais mal-amada do que aquela da qual faço parte... Senhoras e senhores, apresento-vos os professores. E uma vez que este é um blogue relacionado com a maternidade acho que faz todo o sentido deixar aqui meia-dúzia de apontamentos relativamente a esta classe que, queira-se ou não admitir, segura a sociedade pela base.

 

Em primeiro lugar, não sendo eu uma miúda mas não me considerando ainda entradota, confesso que me devo ter despistado algures no tempo. Há vinte e poucos anos, andava eu no primeiro ciclo (no meu tempo ainda se chamava escola primária e tudo), e o professor, sendo amigo e um exemplo, era ainda uma figura de autoridade. Longe das atrocidades, inclusivamente físicas, cometidas no período pré 25 de Abril, a verdade é que sempre me lembro de olhar para as minhas professoras com respeito. Se elas brincavam connosco? Sim. Se nos abraçavam e davam beijinhos? Sim. Se eram às vezes confidentes e amigas? Com certeza. Se nos passava pela cabeça responder de forma desadequada ou menos educada? Hahahahah. E, em cima deste respeito, ainda havia outra parte engraçada: em casa a professora tinha sempre razão. Reparem que no meu tempo ainda não havia o movimento "o meu rico menino nunca faz nada de mal, a culpa não foi dele de certeza". Suponho que este movimento se tenha originado nos últimos dez/quinze anos mas, como não sou socióloga, não posso afirmá-lo com grande convicção. Até porque neste aspecto, convicção só tenho uma: há certamente professores menos bons mas os nossos filhos não estão sempre cheios de razão e muito raramente são os coitadinhos que algumas mães parecem querer acreditar. Atrevo-me ainda a deixar um pequeno conselho às mães militantes deste movimento: antes de entrarem na escola do vosso filho de mão na anca e prontas a "rodar a baiana", façam um pequeno exercício respiratório, inspirem e expirem dez vezes com calma, pensem bem na conduta do vosso filho e depois, só depois, de mente limpa, tentem ouvir com atenção aquilo que a professora do vosso filhos vos diz e vejam lá bem se, algures no vosso coração, não detectam nas palavras dela um certo fundo de verdade.

 

Ora bem, saindo da onda do "no meu tempo é que era bom" que, para falar a verdade, é coisa que até a mim me irrita um bocado, outra coisa que tenho vindo a reparar é que alguns pais (reparem bem que não disse "todos os pais", disse "alguns") se demitiram do papel de educadores. Não sei se está relacionado com o facto de passarem pouco tempo com os filhos, se está relacionado com a vida stressada que levam, a realidade é que há pais que alimentam, vestem, lavam, adormecem e mimam os filhos e delegam na escola a responsabilidade de os educar. Deus me livre de ser professora. Se educar este e mais o que aí vem já me parece uma tarefa hercúlea, imagino o que será ter nos ombros o peso de educar vinte. Como é que se transmitem valores, se ensina a distinguir o certo e o errado e se explicam conceitos como o respeito e a autonomia a não sei quantas crianças em simultâneo? E, depois, em cima disto tudo, ainda é preciso aquela coisa do, como é que se diz, ah sim, instruir. Caraças, até dá medo só de pensar. É por isso que eu cá, mãe imperfeita, sou muito a favor de deixar para os professores as tarefa de ensinar a ler e escrever, a calcular e a conhecer os reis enquanto nós, pais, damos conta do resto das coisas. Coisas essas onde estão incluídas cenas aborrecidas tipo regras e assim. Se é chato? Uiiiii. Mas é o que é.

 

Finalmente e porque já me estou outra vez a alongar só queria terminar por deixar um apelo aos pais, professores e governantes deste país: parem de arranjar maneiras de prolongar o tempo que as crianças passam na escola. Aos nossos putos, aqui em Portugal, só lhes falta lá dormir. E esse excesso de permanência é meio caminho andado para os deixar fartinhos daquilo tudo. Sim, nós temos vidas ocupadas e pouco tempo em casa, é tudo verdade, mas é exactamente por aí que temos que "pegar o touro" (perdoem a expressão tauromáquica) . O que é preciso é arranjar forma de reduzir o tempo que os pais de crianças pequenas passam no trabalho, é urgente legislar sobre redução horária paterna durante a infância das crianças, é urgente pensar em permitir que os pais possam trabalhar a partir de casa, é pertinente encontrar formas de aproximar pais e filhos em vez de descarregar os miúdos nas escolas para que os pais se possam afogar em trabalho até não lhes sobrar uma molécula no corpo que não esteja afogada em cansaço. Os pais somos nós, não nos podemos esquecer nem permitir que nos vão destituindo desta verdade. Ah, e só para terminar, os professores não são sacos de pancada. Era bom que algumas pessoas se lembrassem disto de vez em quando.

 

(A imagem foi retirada de uma página de Facebook muito gira, chamada txitxa's life, no caso de quererem saber!)

 

 

12
Abr18

O mundo é um lugar feio

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Ensinem os vossos filhos que não são donos de coisa nenhuma. Ensinem-nos a pisar o chão com o respeito de quem é convidado. Não criem pequenos monarcas, pequenos ditadores sempre zangados. Criem crianças respeitadoras, daquelas que não parecem ter sempre excremento debaixo do nariz, cara franzida e ar superior. Ensinem os vossos filhos que ninguém é mais nem melhor do que ninguém. Façam as crianças entenderem que é o camponês que semeia a terra quem lhes permite ter comida na mesa, ajudem-nos a compreender que a senhora que varre o lixo mantém limpa a cidade em que vivem. Ensinem-nos a respeitar os animais e a natureza. Deixem-nos perceber que nada é eterno e que o sentido de propriedade é quase sempre um engodo.

 

Não criem crianças mal-educadas, respondonas e que humilham aqueles que, teoricamente, são mais fracos ou ocupam uma posição social menos relevante. Ensinem-nos que o que é verdade hoje é mentira amanhã e que nem tudo é o que parece. Mostrem aos vossos filhos o verdadeiro significado da solidariedade e da amizade. Expliquem às vossas crianças que há pessoas a quem vale a pena doar um rim e que toda a gente merece ser amada. Respeitem a senhora que vos ajuda em casa, o empregado de mesa que vos atende no restaurante e a senhora que limpa a casa-de-banho do centro comercial. Assim, eles vão aprender a respeitá-los também. Criem crianças que desconheçam o significado da palavra racismo porque nem sequer lhes passa pela cabeça que haja diferenças entre branco e preto, vermelho e amarelo. Comprem uma cozinha de brincar ao vosso filho e uma pista de carrinhos à vossa filha. Aceitem-nos se forem diferentes e nunca lhes permitam sentir vergonha por isso.

 

E reparem que isto é quase irónico, sendo escrito por mim que nem sou particularmente boa pessoa. Mas quero muito que os meus filhos sejam. Felizes e bons, é tudo o que desejo para eles. E hoje, hoje caraças, vi uma menina que não devia ter mais de oito ou nove anos a tratar de uma forma pior que rude a senhora que limpava a casa-de-banho do centro comercial. E a mãe? Essa nada disse, limitou-se a sorrir, quase como se fosse engraçado ter uma filha mal-formada que acha que a terra gira à volta do seu umbiguinho. E o mais triste para mim foi perceber que para aquela criança já não há remédio. Vai crescer a acreditar que é melhor que "a preta que está a limpar as sanitas" quando, na verdade, se vai tornar (ou já é) uma coisa muito pior, muito mais baixa e medíocre. Suponho que de uma forma ou de outra a vida se vai encarregar de meter a menina no devido lugar, ou então não e talvez acabe por premiá-la pela podridão de carácter, não sei. Prefiro acreditar na primeira hipótese.

 

Se seguem este blogue sabem que não sou nada apologista dos textos a puxar ao sentimento, antes pelo contrário. Geralmente sou pelo curto e grosso, pela verdade nua e crua. Mas hoje até fiquei doente porra. Às vezes as crianças são muito más e o mundo é um lugar muito feio.