A violência doméstica e de género de que ninguém fala
(Imagem da campanha MEO)
Hoje este blogue, habitualmente alegre, vai servir para tornar pública uma situação que conheço de perto por ser vivida pela mãe de uma amiga. Por não saber de que outra forma posso ajudar e porque já foram apresentadas várias queixas, contribuo para, pelo menos, tornar esta história o mais pública possível com a esperança de que as autoridades façam finalmente alguma coisa para terminar com o martírio de mulheres como esta, a quem vou chamar Maria e que, por medo, não me deixa expôr o seu nome real.
A mãe da minha amiga Rita (nome fictício) divorciou-se do marido quando os filhos eram ainda menores e ficou acordado que a casa de família passaria a pertencer-lhe. Ficou com os filhos a seu cuidado mas, à medida que o filho foi crescendo, as suas escolhas duvidosas fizeram com que a relação entre os dois se fosse deteriorando. Um dia o filho empurrou-a pelas escadas. A mãe da Rita, chocada, despejou-o de casa e ele foi viver com o pai.
Acontece que a relação com o pai também nunca foi pacífica e o pai acabou por expulsá-lo também. Nesse dia ele voltou para casa da mãe que assumiu com ele um acordo: ela requalificaria o anexo da casa e ele passaria a habitar lá depois das obras terminadas.
A mãe da Rita reabilitou todo o anexo, fez uma nova cozinha e uma nova casa-de-banho e, quando as obras ficaram concluídas, disse ao filho que já se podia mudar. Mas ele recusou, disse que estava muito bem ali em casa e que fosse ela para o anexo. Nessa altura levou para viver lá em casa a namorada.
Um dia, quando o via lavar a varinha mágica, a mãe disse-lhe que aquela não era a forma correcta de o fazer. Ele atirou a varinha mágica contra a mãe e esbofeteou-a. A namorada assistiu. A mãe fez, nesse dia, a primeira queixa na GNR. E sabem o que aconteceu? Depois da namorada ter negado tudo, apesar das marcas físicas visíveis da agressão, um dos elementos da GNR, que frequentava o ginásio com o filho de Maria, ainda lhe disse "também não tem que chatear o seu filho com questões domésticas que isso é humilhante para um homem de trinta e três anos".
Os anos têm passado e a mãe da Rita tem vivido num clima de terror absoluto. O filho vai levando namoradas diferentes a viver lá para casa e tem a mãe presa debaixo de ameaças. Ai da mãe que feche as portadas, ai da mãe que entre no seu quarto, ai da mãe que denuncie...
Inicialmente acompanhada por uma advogada da APAV , Maria foi aconselhada por um funcionário do Ministério Público a mudar para uma advogada com mais experiência na área. Essa advogada fez-se pagar bem e nada adiantou no processo. A parte mais engraçada? A minha amiga Rita descobriu depois que essa advogada era casada com o funcionário que a tinha recomendado.
Durante muito tempo a situação não andou para lado nenhum mas há umas semanas, depois da violência doméstica se ter tornado o primeiro assunto na ordem do dia, a mãe da Rita foi chamada ao Ministério Público. Sem perceber como, estava lá a advogada à espera dela (advogada da qual há meses não tinha notícias) e o funcionário seu marido. Nada de procuradora. Disseram-lhe que sem provas nada podia ser feito (apesar de um vídeo que Maria tem onde se vê e ouve o filho a ameaçá-la) e que o melhor era tentar uma ordem de despejo contra o filho. E pronto.
A mãe da Rita fez queixa, denunciou, foi a todo o lado em busca de ajuda. Da GNR disseram-lhe para não aborrecer o filho. Do Ministério Público foi encaminhada para a advogada casada com o funcionário que a atendeu.
A minha amiga Rita já tentou tirar a mãe de casa. Mas reparem na injustiça: a vítima abandona o único património que possui às mãos do agressor enquanto foge amedrontada. Talvez um dia Maria seja mais uma vítima nos telejornais, talvez vejamos um alerta CM a dizer que filho mata a mãe, talvez Maria se transforme em mais um número na lista de mulheres mortas por violência doméstica.
Só que esta Maria é mãe da minha querida Rita. Esta Maria e a filha pediram ajuda em todo o lado, denunciaram, pagaram advogados. Elas tentaram tudo. Ninguém as ajudou.
Não podemos ficar caladas.