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A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

A mãe imperfeita

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06
Mar18

Chamar os bois pelos nomes

 

Deficiências.jpg

 

Nesta coisa das crianças com deficiência poucas coisas me incomodam tanto como a necessidade constante de recorrer a eufemismos demonstrada por algumas pessoas. Na verdade não consigo entender a resistência absoluta a utilizar o nome das doenças/deficiências e, muito menos, a crítica encapotada a quem o faz. Pessoalmente sempre disse com as letrinhas todas que o meu filho é surdo e detesto quando alguém diz "o menino ouve um bocadinho mal" ou "tem problemas de audição". Ainda que seja uma verdade, também é verdade que a condição dele tem um nome: surdez.

 

Já uma vez escrevi aqui no blogue que esta tentativa de romantizar as deficiências não é outra coisa que não uma enorme dificuldade em aceitá-las. E voltamos ao mesmo ponto... Se nem em casa são aceites como é que podemos esperar que o sejam na sociedade? Pois, é toda uma incoerência. Espero que daqui a uns anos o meu filho consiga responder a quem lhe perguntar que é surdo, só assim, de forma simples, a chamar os bois pelos nomes. Não há necessidade de complicar ainda mais a vida a tentar arranjar eufemismos que, na verdade, nada fazem por eles e pouco interessam seja a quem for (excepto a meia dúzia de pais e avós que, tapando o sol com a peneira, se devem sentir mais consolados).

 

No Sábado o neto de uma vizinha da minha mãe viu o Pedro depois de algum tempo sem se encontrarem. A primeira pergunta que fez foi "olha lá, o que são estas coisas que o Pedro tem metidas nas orelhas?". Eu respondi "são aparelhos para conseguir ouvir, ele é surdo". O miúdo respondeu "ah, ok" e continuou a falar para o Pedro de forma absolutamente normal (sem sequer levantar a voz, coisa absolutamente parva mas muito típica dos adultos quando se apercebem da surdez do miúdo). E pronto, foi simples assim. Sem mais perguntas, sem mais julgamentos, sem mudanças de atitude. É surdo, é surdo, pronto, ponto.

 

Às vezes, é verdade que há necessidade de explicar as coisas um bocadinho melhor, mas isso acontece especialmente com crianças e geralmente fico-me por um "sabes que algumas pessoas usam óculos para as ajudar a ver melhor, não sabes? Então, o Pedro usa aparelhos para o ajudar a ouvir, são uma espécie de óculos para os ouvidos dele". Acreditem que até agora tem sido uma explicação bastante eficaz, facilmente aceite e que não leva a grandes questões por parte dos outros miúdos. Mas a um adulto? A um adulto recuso-me. E recuso-me a aceitar que à minha frente digam que o meu filho "ouve um bocadinho mal". Um bocadinho? É uma surdez severa senhores. Para além de eufemismo, dizer que ele ouve um bocadinho mal é uma tola e real mentira.

 

É por isso que, da parte que me toca, os bois levam sempre com o nome. Seja qual for a condição, seja qual for a doença. E acreditem que se todos fizéssemos isto era meio caminho andado para acabar com muitos estigmas que, de forma sorrateira, vão minando a cabeça dos pais e a qualidade de vida dos putos.

 

 

(Venceu o Oscar de curta-metragem "A silent child", que relata a história de uma menina de 4 anos, surda, que vivia num mundo de silêncios até aprender língua gestual. E foi também em língua gestual que Rachel Shenton, a escritora e uma das protagonistas do filme, fez o seu discurso de agradecimento. É óbvio que aqui a grávida ficou de lagriminha no olho. Como todos sabem este é um tema que me vai direitinho ao coração e estes pequenos gestos, estas pequenas vitórias, enchem-me de esperança num futuro menos silencioso para o meu menino e para todos os meninos surdos como ele. Esqueçam lá os vestidos. Ela discursou em língua gestual porra.)

 

* A imagem foi roubadinha do Google

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