Já não és mamã. Mas será que ainda podes ser?
Olá mãe,
Quando pensava em como deveria começar esta carta tive muita vontade de recuar trinta anos e poder chamar-te mamã. Sei que pode parecer estranho porque, afinal, agora sou uma adulta mas a verdade é que tu nunca me pediste para parar de te chamar assim e eu não sei porque é que parei. No meu coração tu ainda és e vais ser sempre a minha mamã. Nenhuma âncora se compara a ti. Ligo-te se me sinto doente, se tenho problemas no trabalho, se não consigo tirar uma nódoa da camisola do miúdo ou se preciso de ideias para uma sobremesa diferente. É sempre em ti que penso em primeiro lugar quando preciso de colo porque sabes mãe, nenhum colo do mundo se compara ao teu. O teu colo é a minha casa mesmo qua agora viva longe. O teu colo tem o cheiro de dias felizes e de um Verão que nunca acaba.
Lembro-me de ser pequenina, de dormir entre ti e o pai e de não ter nenhuma dúvida de que o mundo batia certo. Fui feliz graças a ti. Ainda sinto o gosto do teu bolo pudim, dos carapauzinhos fritos com arroz de tomate e do teu arroz doce (posso comer mil, mas nenhum é igual ao teu). Quando hoje te vejo olhar cheia de amor para os netos, quando te vejo perdida na cozinha entre sopas e sopinhas, bifes para um, batatas para dois, sobremesa para todos, vejo o mesmo amor que via antes, quando eu era uma menina de caracóis que gostava que me fizesses ditados sempre que chegava da escola.
O dia da mãe aproxima-se. Farei, como sempre faço, tudo para estar contigo e levo os teus netos. Não sei se já alguma vez te disse mas sei bem que tu o sentes: tu também és mãe dos meus filhos. Quando olho para vocês, juntos, sei que eles também te pertencem, sei que o teu coração voltou a aumentar para os receber, sei que estás aí para eles como sempre estiveste para mim.
Às vezes olho para ti e perco-me nas tuas rugas, nos óculos que antes não tinhas e na curvatura que se começa a desenhar nas tuas costas. E nesses momentos tenho medo. Medo que a velhice te leve e que um dia me faltes. Eu não sei o que farei sem ti. Fazes-me toda a falta do mundo. Fazias quando era só uma menina com medo do escuro, ainda fazes mais agora em que o escuro que temo é outro. Ouço por vezes que perder os pais faz parte do ciclo da vida mas essa ideia não me conforma pela sua crueldade. Como é que perder aquilo que somos pode ser natural? Mandasse eu neste mundo e juro que te fazia eterna. A ti e a todas as mães.
Sabes, tenho medo de não te dizer vezes suficientes que te amo. Tenho medo que nesta vida corrida, entre trabalho, filhos e tarefas de casa, acabe por me perder muitas vezes e tu não percebas que sinto a tua falta apesar de te trazer sempre comigo. É por isso que quero aproveitar esta carta para te dizer que te amo sim, mais do que à vida, e fica a saber que passem os anos que passarem e mesmo quando eu já for velhinha, no meu coração vou sempre chamar-te mamã.
Esta é a penúltima das cartas que decidi escrever como forma de celebrar o dia da Mãe. A última carta, escrita pelo pai imperfeito, será publicada no Domingo. As duas primeiras, escritas por um bebé in utero e por uma criança pequena, podem ser encontradas aqui, respectivamente:
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