Os mal-amados
Às vezes (muitas vezes, pronto) queixo-me da minha profissão. Porque é mal-paga, porque o reconhecimento é escasso, porque trabalho de dia, de noite, feriados e fins-de-semana, enfim... Queixo-me e com razão plena, acredito. Mas, mesmo assim, desconfio que existe uma classe profissional em Portugal que consegue ser ainda mais mal-amada do que aquela da qual faço parte... Senhoras e senhores, apresento-vos os professores. E uma vez que este é um blogue relacionado com a maternidade acho que faz todo o sentido deixar aqui meia-dúzia de apontamentos relativamente a esta classe que, queira-se ou não admitir, segura a sociedade pela base.
Em primeiro lugar, não sendo eu uma miúda mas não me considerando ainda entradota, confesso que me devo ter despistado algures no tempo. Há vinte e poucos anos, andava eu no primeiro ciclo (no meu tempo ainda se chamava escola primária e tudo), e o professor, sendo amigo e um exemplo, era ainda uma figura de autoridade. Longe das atrocidades, inclusivamente físicas, cometidas no período pré 25 de Abril, a verdade é que sempre me lembro de olhar para as minhas professoras com respeito. Se elas brincavam connosco? Sim. Se nos abraçavam e davam beijinhos? Sim. Se eram às vezes confidentes e amigas? Com certeza. Se nos passava pela cabeça responder de forma desadequada ou menos educada? Hahahahah. E, em cima deste respeito, ainda havia outra parte engraçada: em casa a professora tinha sempre razão. Reparem que no meu tempo ainda não havia o movimento "o meu rico menino nunca faz nada de mal, a culpa não foi dele de certeza". Suponho que este movimento se tenha originado nos últimos dez/quinze anos mas, como não sou socióloga, não posso afirmá-lo com grande convicção. Até porque neste aspecto, convicção só tenho uma: há certamente professores menos bons mas os nossos filhos não estão sempre cheios de razão e muito raramente são os coitadinhos que algumas mães parecem querer acreditar. Atrevo-me ainda a deixar um pequeno conselho às mães militantes deste movimento: antes de entrarem na escola do vosso filho de mão na anca e prontas a "rodar a baiana", façam um pequeno exercício respiratório, inspirem e expirem dez vezes com calma, pensem bem na conduta do vosso filho e depois, só depois, de mente limpa, tentem ouvir com atenção aquilo que a professora do vosso filhos vos diz e vejam lá bem se, algures no vosso coração, não detectam nas palavras dela um certo fundo de verdade.
Ora bem, saindo da onda do "no meu tempo é que era bom" que, para falar a verdade, é coisa que até a mim me irrita um bocado, outra coisa que tenho vindo a reparar é que alguns pais (reparem bem que não disse "todos os pais", disse "alguns") se demitiram do papel de educadores. Não sei se está relacionado com o facto de passarem pouco tempo com os filhos, se está relacionado com a vida stressada que levam, a realidade é que há pais que alimentam, vestem, lavam, adormecem e mimam os filhos e delegam na escola a responsabilidade de os educar. Deus me livre de ser professora. Se educar este e mais o que aí vem já me parece uma tarefa hercúlea, imagino o que será ter nos ombros o peso de educar vinte. Como é que se transmitem valores, se ensina a distinguir o certo e o errado e se explicam conceitos como o respeito e a autonomia a não sei quantas crianças em simultâneo? E, depois, em cima disto tudo, ainda é preciso aquela coisa do, como é que se diz, ah sim, instruir. Caraças, até dá medo só de pensar. É por isso que eu cá, mãe imperfeita, sou muito a favor de deixar para os professores as tarefa de ensinar a ler e escrever, a calcular e a conhecer os reis enquanto nós, pais, damos conta do resto das coisas. Coisas essas onde estão incluídas cenas aborrecidas tipo regras e assim. Se é chato? Uiiiii. Mas é o que é.
Finalmente e porque já me estou outra vez a alongar só queria terminar por deixar um apelo aos pais, professores e governantes deste país: parem de arranjar maneiras de prolongar o tempo que as crianças passam na escola. Aos nossos putos, aqui em Portugal, só lhes falta lá dormir. E esse excesso de permanência é meio caminho andado para os deixar fartinhos daquilo tudo. Sim, nós temos vidas ocupadas e pouco tempo em casa, é tudo verdade, mas é exactamente por aí que temos que "pegar o touro" (perdoem a expressão tauromáquica) . O que é preciso é arranjar forma de reduzir o tempo que os pais de crianças pequenas passam no trabalho, é urgente legislar sobre redução horária paterna durante a infância das crianças, é urgente pensar em permitir que os pais possam trabalhar a partir de casa, é pertinente encontrar formas de aproximar pais e filhos em vez de descarregar os miúdos nas escolas para que os pais se possam afogar em trabalho até não lhes sobrar uma molécula no corpo que não esteja afogada em cansaço. Os pais somos nós, não nos podemos esquecer nem permitir que nos vão destituindo desta verdade. Ah, e só para terminar, os professores não são sacos de pancada. Era bom que algumas pessoas se lembrassem disto de vez em quando.
(A imagem foi retirada de uma página de Facebook muito gira, chamada txitxa's life, no caso de quererem saber!)