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A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

16
Abr18

Sim, o meu filho está doente. Não, não pode ficar com a avó.

 

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Antes de engravidarem eram consideradas óptimas profissionais. Competentes, dedicadas, criativas, disponíveis, elas ali estavam sempre na primeira fila, com um sim como resposta a quase todas as perguntas da entidade patronal e um registo de assiduidade impecável. Com a gravidez veio o primeiro abalo. Elas que antes podiam tudo agora não podem fazer horas extraordinárias, trazem justificações para os dias de consulta e pedem dias de folga para fazer ecografias. E a entidade patronal começa a torcer o nariz mas pensa que são nove mesinhos e depois volta tudo ao normal. A questão é que não volta. As sacanas, antes sempre dispostas a colocar os interesses da empresa em primeiro lugar, tiveram o desplante de optar pela licença alargada e começa a pensar-se que, no fim, vai ter que se contratar alguém para as substituir porque, inclusivamente, estão a recusar-se a trabalhar a partir de casa alegando que precisam de tempo para elas e para o bebé.

 

Entretanto os meses passam e elas voltam. Só que já não são as mesmas. Agora chegam uma hora mais tarde e saem uma hora mais cedo à conta do horário de amamentação e há um dia em que telefonam de manhã e dizem que não vão poder trabalhar porque têm o filho doente. Da primeira vez a coisa ainda passa mas depois, nas vezes seguintes, até os próprios colegas já bufam em desespero. É que o trabalho delas sobra para alguém e elas parece que nem se importam com isso, como se os filhos importassem mais do que tudo o resto. A entidade patronal começa a ser menos tolerante e os adjectivos que antes as qualificavam vão mudando. Já não são competentes e dedicadas, agora são muito menos competentes e quase sempre indisponíveis. Depois há um dia em que os putos apanham varicela e elas não vêm trabalhar uma semana inteira. O registo de assiduidade, antes impecável, começa a ficar manchado e elas parece que não percebem isso. Até que um dia uma colega maldosa, que já nem se lembra como é ter filhos pequenos, faz a pergunta fatal "mas os meninos doentes não podem ficar com a avó?", e aí elas abraçam com força a posição de mãe e deixam na secretária da colega a seguinte resposta:

 

"Quando os nossos filhos estão doentes nenhum outro colo os conforta tanto como o da mãe ou o do pai. É a nós que eles querem quando a febre sobe e eles tremem, quando os vómitos os derrubam ou quando a comichão é tanta que nada os alivia. Se adoram as avós? Claro que sim. Mas doentes eles querem antes os braços fortes do pai e os beijos curativos da mãe. Querem a canjinha que a mãe faz, temperada de pózinhos mágicos que baixam febres e aliviam dores. Querem que seja o pai a dar-lhe o banho morninho enquanto imita os patos, os caranguejos e os búzios que pulam na banheira. Fomos nós que fizemos os nossos filhos, não foram as avós. Quando os nossos filhos estão doentes mais do que nunca são uma responsabilidade nossa e não dos outros. Quando os nossos filhos estão doentes não têm que ser largados na creche onde ou são colocados numa sala de isolamente ou contaminam mais umas quantas crianças. Quando os nossos filhos estão doentes têm o direito de não ser arrancados de casa e retirados do ambiente que, para eles, é o mais seguro do mundo. Quando os nossos filhos estão doentes o nosso mundo gravita ao redor de febres, diarreias e dentes a romper. Quando os nossos filhos estão doentes as nossas vidas ficam viradas do avesso. Quando os nossos filhos estão doentes nós somos tudo o que eles querem e eles são tudo o que nós queremos."

 

E no dia a seguir a colega lê o recado, torce a boca num esgar de amargura e reclama qualquer coisa como um "criei os meus três filhos sem nunca faltar um dia ao trabalho e eles aí estão, feitos uns homens e umas mulheres valentes". E elas, as mães de agora, as que passaram de bestiais a bestas encolhem os ombros e lá no fundo até têm pena. Mas chega o tempo em que depois de tanta porrada vinda de tantos lados são elas que acabam por perder a vontade, começam a nem responder e a encolher os ombros às piadas dos colegas, a evitar olhar o chefe nos olhos, não por vergonha, mas por medo que a frontalidade lhes saia demasiado cara, afinal há fraldas para pagar... Há um dia em que percebem que a empresa que um dia foi o mundo delas as cuspiu para fora devagarinho, não permitiu que os filhos delas fizessem parte. E elas sabem que se tivessem encontrado respeito e tolerância não se teriam importado de fazer horas a mais alguns dias, de trazer trabalho para casa ou de viajar em trabalho. Elas só precisavam que as tivessem deixado ajustar, que as tivessem deixado adaptar à realidade de mães e profissionais. Mas a entidade patronal não soube esperar, as colegas tiveram pressa em julgar e elas perderam a vontade, a garra e a motivação.

 

Um dia elas hão-de bater com a porta.

 

É que os filhos delas doentes querem as mães, não querem nem a creche nem as avós.

 

* Imagem retirada do Google

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