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A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

A mãe imperfeita

Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir.

23
Jun18

Super mães imperfeitas #1

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A Marta (nome fictício) tem trinta e dois anos e durante treze dedicou-se a cuidar dos filhos dos outros como babysitter. Aos vinte e quatro anos, de forma programada, engravidou do primeiro filho. Nessa altura residia com o marido na Suiça. O parto decorreu sem complicações e tudo corria bem até que notou que o filho apresentava umas manchas na pele. Não ficou demasiado preocupada porque tanto ela como o marido apresentavam manchas semelhantes mas, ainda assim, decidiu marcar uma consulta no pediatra. Mal sabia ela o que estava por vir…

 

Depois da consulta e da realização de alguns exames a Marta foi informada de que o filho sofria de neurofibromatose tipo 1. O nome parecia-lhe um palavrão e, num sistema de saúde que costumamos ver elogiado, a Marta e o filho foram ficando cada vez mais perdidos. A informação era escassa e o aconselhamento inexistente. Muitos dos exames que, sabe agora, deveriam ter sido feitos não o foram e a única coisa que lhe era dita repetidamente era que existia a necessidade de integrar o menino numa escola especial que lhe permitisse colmatar os défices que iriam aparecer.

 

A Marta não fazia ideia de quais seriam os défices, aliás, a Marta não fazia ideia de nada do que se relacionava com a doença do filho e, em conjunto com o marido, acabou por decidir voltar a Portugal. O marido permaneceu na Suiça. E foi já por cá que o filho fez a ressonância magnética que indicou a existência de um glioma maligno no nervo óptico e, a partir daí, a vida da Marta mudou. Para além de descobrir que estava grávida novamente viu o filho ficar cego do olho esquerdo e iniciar a quimioterapia que o há-de acompanhar sempre. A Marta deixou de trabalhar porque o filho não pode frequentar a escola. Nem a escola nem a rua. Devido à depressão do sistema imunitário a Marta e os filhos vivem fechados em casa. O menino mais velho tem aulas em casa com duas professoras diferentes: uma que se encarrega do programa escolar “normal” e outra que o ajuda com as dificuldades de motricidade fina, fala e escrita que começam a surgir.

 

Quando pergunto à Marta como vive com a doença responde que tem receio. Há sempre novos tumores que vão aparecendo, quase nenhum benigno. O marido não consegue voltar. Com a Marta em casa com os filhos o salário do marido é a única fonte de sustento para todos. Em relação a apoios está neste momento a aguardar a chegada de um computador adaptado com teclado em braile (porque, diz ela, “ninguém sabe o dia de amanhã”) e conta com um psicólogo disponibilizado pela escola que tem ajudado a que “a cabeça permaneça no lugar”. E é isto. Em tudo o resto estão por conta própria. E aquilo que ainda não vos disse foi que o filho mais novo foi também diagnosticado com a mesma doença do irmão que, sabe-se agora, afecta também a Marta e o marido ainda que numa forma mais ligeira.

 

A Marta diz que vive um dia de cada vez. Sem pensar demais, sem imaginar o pior. Sonha em ver os filhos adultos, homens de bem. Sonha que os seus meninos possam ser o que quiserem, com ou sem visão. Prefere não pensar no que pode vir por aí, por ora chega-lhes bem a carga que transportam. Gostava de ter o marido perto. Sabe que não pode. Diz que tem uma super sogra que a ajuda com tudo. Vai vivendo entre ressonâncias de um e de outro, diz que é “uma vida de incertezas” e dela própria pouco quer saber. Não querendo parecer fria diz que se tivesse conhecido as probabilidades mais cedo talvez nunca tivesse engravidado porque morre sempre que vê o sofrimento nos olhos dos filhos. E infelizmente vê muitas vezes. Mas agora que os tem cá sabe que por eles vai até ao fim do mundo. Como tem feito até agora. Mesmo que quase nunca saia de casa.

 

 

* Imagem retirada do Google

 

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